maluvargas.com

Na verdade não escrevo mais aqui, pessoal. Me mudei, digamos assim, para o www.maluvargas.com onde abordo assuntos relacionados ao amor pela leitura, pela escrita e pela família, de um ponto de vista inevitavel e alegremente feminino. Meus escritos sobre educação estão atualmente guardados no hard disk. Sairão um dia, quem sabe. :)

terça-feira, 9 de março de 2010

Recolher, para acolher

É uma coisa engraçada, contraditória, até, mas eu preciso não escrever toda minha história como aluna nesse blog, justamente para escrever o que eu preciso, na extensão que se faz necessária. Achei que fosse o contrário, que escrevendo no blog eu organizaria as idéias acerca das minhas experiências de fracasso escolar, mas, ao fazê-lo, sinto que preciso recolher esse pequeno pássaro para o mundo privado do meu winchester, justamente para poder fazê-lo voar. Organizei as idéias, sem dúvida, e é muita coisa para ser colocada num blog, por enquanto. Enquanto isso, vou escrevendo, aqui, lá e acolá. :)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um menino reprovou de ano

Um dentre tantos, mas, no caso, um que eu conheço. Cito a título de exemplo e porque me chateou. Reprovou na segunda série do Ensino Fundamental. Escola pública. Estudava de tarde, o que é o ideal no Rio Grande do Sul devido ao tempo rigoroso no inverno. Mas a professora dele se aposentou, então passaram a turma para o turno da manhã, num contexto isolado do restante das crianças daquela idade, que permaneceram no turno da tarde. A professora do turno da manhã não era alfabetizadora, mas simplesmente alguém cujo horário estava disponível. O menino vai muito bem em matemática e realiza toda a sorte de trabalhos manuais com muita criatividade. Mas é uma das crianças diagnosticadas com TDAH, esse diagnóstico que pulula nas escolas como erva daninha, sem que se faça muita distinção entre os casos e em relação às origens do transtorno para aquela criança, especificamente. Digo isso porque em muitos casos a questão é relacionada ao meio em que a criança vive e a hábitos, e poderia ser resolvida sem tanta medicação. Mas, como um comprimido é mais rápido de engolir, dê-lhe remédio. A questão é que o menino lê e escreve lentamente e, invariavelmente, tirava zero nos frequentes ditados que a professora fazia. Tampouco conseguia encontrar a calma necessária para responder a provas escritas e não copiava no caderno com a rapidez necessária para manter-se em dia. Ou seja, o quadro era apagado e novamente preenchido antes que ele tivesse conseguido terminar de copiar, situação que levaria qualquer pessoa razoavelmente normal a desistir de copiar. Foi o que ele acabou fazendo. Mas o menino raciocina muito bem e não está, repito, em estado de analfabetismo completo. Ele precisava de uma mãozinha extra, de um acompanhamento diferenciado, que a família, humilde, não conseguiu lhe proporcionar, até por não entender bem o caso e já esperar a reprovação, anunciada precocemente pela escola. Assim, obedientemente, o garoto cumpriu o que se esperava dele: reprovou. É difícil lutar contra os adultos quando eles põem uma coisa na cabeça. Não sabe ler e escrever, lhe dizem. Pensemos por um momento no estrago que isso faz na auto-estima dessa criança e, num passe de mágica, vamos retirar o mesmo, o mesmíssimo menino, desse contexto e colocá-lo numa família com recursos, que tem boas expectativas quanto ao seu desempenho e matricula-o numa escola particular onde lhe são oferecidas aulas em turno inverso e avaliações diferenciadas a princípio, até que possa atingir o n[ível de rapidez - pois a questão não seria conteúdística, mas de tempo - da média do restante da turma. Com certeza seria aprovado. Teria-se ali, quem sabe, um futuro grande leitor. Agora, as chances são poucas. Repetirá a mesma série, na mesma escola, provavelmente da mesma forma. E é por isso que eu digo que reprovação se dá, na ampla maioria dos casos, por descaso, descuido, abandono. Não necessariamente por maldade, mas por impossibilidades várias, que resultam em abandono.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

É complicado pedir socorro

Andei sumida. É que é complicado levar um blog adiante. Mas é mais complicado ainda quando ele trata de assuntos pessoais e - agora vamos elevar o complicado ao cubo - quando esses assuntos não são histórias de sucesso, "humildemente" compartilhadas com os amigos que infalivelmente nos felicitarão e admirarão.
Andei visitando a escola onde cursei meus seis anos de Ensino Médio, o antigo Segundo Grau. Sim, seis anos para terminar um curso de três, mais comprido, portanto, do que meu doutorado em Letras. Vamos combinar que eu tenho conhecimento de causa quando se trata de repetência. Sou hiper-pós-graduada. E uma coisa que não me sai da cabeça é que repetência escolar é fruto do descaso. Aha, "descaso por parte dos alunos, que não querem estudar", me diriam colegas que andam injuriados com a profissão. Mas eu acho que, de parte dos alunos é só um grito por socorro, mesmo. O descaso é institucional e a instituição em questão normalmente não é uma só, mas é um misto de escola, família, Estado... ou seja, todas coisas de somenos na vida do indivíduo não é? Nada que influa muito na sua formação.
Ironias a parte, sei que esse descaso não é somente fruto de ma fé, mas, em muitas ocasiões, fruto de impossibilidades de se oferecer algo melhor, ou até, de se oferecer algo para o jovem repetente. Foi assim no meu caso. É quase incacreditável eu observar, hoje, que a família de uma adolescente que reprovasse tanto quanto eu não tivesse sido chamada até a escola. Mas não foi. Meu pai teria feito um barulho danado se soubesse que eu reprovava por faltas, por exemplo. E eu tinha muito medo disso (tinha muito medo da reação dele) mas mesmo assim, faltava. Donde se conclui que meu grito de socorro não deu em nada. Tive de esperar amadurecer sozinha e finalmente querer sair da escola para conseguir dar o passo necessário na direção de outra etapa de vida.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Laços de família II

Outro dia me peguei falando rispidamente o nome da minha filha, com o intuito de lhe chamar a atenção, não por nada muitíssimo sério, mas porque naquele momento minha paciência estava fina como um elático estirado. Por que a falta de paciência com pouca coisa? Por que uma imagem tão distante daquela que eu gostaria de fazer de mim mesma, mais próxima dos livros sobre educação de filhos, que eu li e nos quais penso que me baseio? Porque é assim mesmo, quando se trata de vida sendo vivida e não de palavra pensada para ser deitada ao papel (ou tela). Porque criar filhos é uma confusão de sentimentos e a frustração nos pega no contrapé e nos leva a atitudes que, se filmadas e mostradas a nós, provocariam nossa vergonha.
Mas há um porém, no meu caso. Ao chamar irritadiçamente o nome de minha filha, que é propositadamente muito parecido com o meu, pronunciei foi o meu nome, mesmo. Fiquei um pouco chocada com a forma que tratei a mim (e a filha, não?), com a rigidez, rispidez comigo mesma. Pensei: ah, então é isto? Na impaciência com o filho fica demonstrada a impaciência conosco mesmo? Nas falhas que julgamos nele ver, estão espelhados nossos temores de nossos (supostos, talvez) fracassos? É a nós que desprezamos, em nossos filhos? De nossas esperanças, projetadas nas tentativas dos filhos, fazemos pouco caso, pois neles está inscrita nossa incapacidade ou, ainda, o temor de sermos descobertos como impotentes, ineptos. Alguns de nós passam a vida acovardados diante do temor de terem suas fraquezas reveladas - mesmo que aos olhos da sociedade sejam bem sucedidos - e exigem dos filhos perfeição. Exigem dos filhos, na verdade, que não os exponham como eles se vêem.

O amor e a paciência para comigo mesma parece ser o único caminho para educar minha filha com doçura. Para assegurar a ela um futuro onde não maltrate a si mesma. É verdade o que se diz, que a primeira modificação profunda que quisermos fazer no mundo é o mudar a nós mesmos. Cada indivívuo se ver com seus fantasmas.

Criar filhos é, sem dúvida, algo assustador.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Laços de família

Se você cresceu em uma família de hierarquia perene, como eu, leia O clube do filme de David Gilmour (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009). Por hierarquia perene eu me refiro aquelas famílias, como a minha, em que não importa a idade que você tenha sempre será considerado "uma criança" para os pais. Isso parece muito bonito para ser dito mas, na verdade, não é tão bonito assim. Pode, inclusive, ser um pouco perverso. Crescer nesses ambientes é como se esgueirar por uma fresta. Primeiro você tem que achar a fresta, depois se metamorfosear em algo kafkiano para poder passar pela fresta. Uma vez do lado de lá, você estará sozinho para encher seu balão/ego, que se encontrará um tanto quanto murcho e possivelmente um bocado culpado por ter fugido às normas familiares. É um trabalho de uma vida inteira.
No relacionamento entre pai e filho no tal livro as coisas são diferentes. O pai não é nenhum gênio da pedagogia, a bem da verdade, não é nenhum gênio de nada. Parece um cara bastante atrapalhado com questões "obrigatórias" do mundo masculino adulto, como sustentar a própria família. Mas o olhar que ele tem para esse filho é raro. É um olhar cheio de amor e cheio de espaço, criando um local em seu afeto onde o filho pode crescer, mais do que isso, onde ele espera e deseja que o filho cresça, se torne homem, e ele seja "derrotado". Ou seja, nesse relacionamento espera-se que a vida tome seu curso normal e as pessoas não sejam obrigadas a permanecer na posição de escada para que o mundo de outro (pais, mães, irmãos, esposos) não se desmorone.
Um trechinho:
"Definitivamente as coisas estavam mudando entre nós dois. Eu sabia que, ao final do caminho, não muito longe, haveria um confronto e eu sairia perdendo. Exatamente como aconteceu com todos os outros pais na história."
Acredite, não são muitos os pais que têm essa clareza, não importa o quão estudados sejam.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Em linha reta, pouco se consegue.

Pra quem não conhece, ou pelo simples deleite de reler, vai aí o Poema em Linha Reta. (Bem sabemos que não há linha reta se é humana a voz que fala e Fernando Pessoa sabe disso melhor do que ninguém).

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão princípe - todos eles princípes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Quem contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Homenagem

O nome desse blog é uma homenagem ao Gilberto Dimenstein e ao Rubens Alves que tiveram a coragem de lançar um livro intitulado "Fomos Maus Alunos" (São Paulo: Papirus, 2003), que muito me comoveu. Eu desconfio, não, na verdade tenho certeza, de que muita gente boa, inteligente, criativa e talentosa tem histórias de fracasso escolar pra contar. Como eu. No quesito fracasso escolar, bem entendido. Então talvez eu leve esse blog adiante e conte a minha história. Talvez, também outras se somem às minhas, histórias de gente que se identifica com o verso que diz: "nunca conheci quem tivesse levado porrada". Mas não é só disso que trata esse blog. Outras divagações acerca de família, maternidade e congêneres também podem aparecer por aqui.