Pra quem não conhece, ou pelo simples deleite de reler, vai aí o Poema em Linha Reta. (Bem sabemos que não há linha reta se é humana a voz que fala e Fernando Pessoa sabe disso melhor do que ninguém).
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão princípe - todos eles princípes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Quem contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?
Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Homenagem
O nome desse blog é uma homenagem ao Gilberto Dimenstein e ao Rubens Alves que tiveram a coragem de lançar um livro intitulado "Fomos Maus Alunos" (São Paulo: Papirus, 2003), que muito me comoveu. Eu desconfio, não, na verdade tenho certeza, de que muita gente boa, inteligente, criativa e talentosa tem histórias de fracasso escolar pra contar. Como eu. No quesito fracasso escolar, bem entendido. Então talvez eu leve esse blog adiante e conte a minha história. Talvez, também outras se somem às minhas, histórias de gente que se identifica com o verso que diz: "nunca conheci quem tivesse levado porrada". Mas não é só disso que trata esse blog. Outras divagações acerca de família, maternidade e congêneres também podem aparecer por aqui.
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